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  • Foto do escritorBiodecon

A mula

Quem ligou para a Biodecon solicitando nossos serviços foi uma administradora de condomínios. Ela queria que fizéssemos a limpeza de um local onde uma mulher, com cerca de 35 anos, foi encontrada morta quatro dias depois. Fomos fazer a vistoria.

O prédio era uma espécie de hotel em que a pessoa paga por dia de estadia. Era um lugar bem chique. No quarto, mesa e móveis modernos, varanda e decoração aconchegante. Na lavanderia, videogame para aqueles que quisessem se distrair enquanto esperam a roupa lavar e secar. Câmeras por todos os lados. Logo se via que não era hospedaria para qualquer um.

Quando chegamos e o síndico abriu a porta, o quarto estava todo revirado e cheio de sangue: calcinhas sujas espalhadas, absorventes, cortina... e um cheiro forte de peixe podre. Também tinham vários saquinhos de sopão industrializados e, na cozinha, uma panela com uma crosta mofada. Acho que ela só se alimentava daquele tipo de sopa, pois não encontramos mais nada no apartamento.

Nós olhávamos aquilo e ficávamos tentando entender o que tinha acontecido ali. Foi então que o síndico nos mostrou os vídeos das câmeras de segurança dos últimos dias daquela moça no prédio e o que foi encontrado pela polícia. Aparentemente, a mulher era brasileira, veio da Suíça e embarcaria para a Espanha. Ela chegou bem, se hospedou, saiu algumas vezes para comprar sopa e coca-cola e, em pouco tempo, começou a passar mal. A moça, então, foi ao ginecologista porque estava sangrando muito. Vimos no vídeo ela no hall chamando o elevador. Ela se contorcia de dor, se debatia. Uma outra mulher hospedada no hotel ofereceu ajuda, mas a moça não aceitou e foi para o quarto.




Na madrugada do dia seguinte, o vídeo mostra piora do estado de saúde da moça. Eram 2 horas da manhã quando ela saiu e depois voltou com o olho roxo. Ela ficou uns 10 minutos para conseguir chamar o elevador, porque ela desmaiava, levantava e caía. Quando conseguiu subir, saiu do elevador se arrastando, sentada, como se estivesse remando. Com muito custo, entrou no apartamento. Depois não foi mais vista. Quando arrombaram a porta e a encontraram ela já estava morta no chão, em processo de decomposição.



A polícia verificou o celular da moça e encontrou uma conversa dela com um turco. Ao que tudo indica, a mulher era uma mula, ou seja, trazia drogas dentro de seu corpo da Suíça para o Brasil e, para evacuar o pacote ou cápsulas ingeridas, só podia se alimentar de sopa e líquido. Provavelmente, a droga estourou em seu organismo antes que ela fosse expelida, o que a fez morrer de overdose.


Era final de 2020 e fazia um calor insuportável. Fomos fazer o serviço no dia seguinte em três pessoas. Foram 4 horas de limpeza ininterruptas. Separamos todas as coisas da mulher que não estavam infectadas, mas a maior parte do que foi retirado do quarto foi para incineração: lençóis, roupas, cortina, travesseiros. Os poucos pertences dela ficaram no hotel. Na verdade, só restou o colchão, que seria descartado pelo hotel posteriormente.


Passamos um detergente especial para remover o sangue do apartamento e quebrar as moléculas para não haver risco de contaminação. Tivemos que tirar o piso, que já tinha absorvido o fluído corporal da moça, e no chão e teto passamos um desinfetante hospitalar. Por fim, desodorizamos local com uma máquina específica para que o cheiro ruim fosse completamente neutralizado. Saímos do apartamento com três barricas grandes (tambores de papel grosso) de material infectante, que mandamos incinerar numa empresa adequada para isso. Antes, embalamos tudo em sacos para não haver risco de vazamento.



É o primeiro caso de mula que pegamos para limpar. Como mulher, eu Clícia, fiquei realmente chocada com as imagens que vi e, sobretudo, triste, por ver aquela moça morrer sozinha, sofrendo tanto por ter escolhido fazer algo ilícito. Não me cabe julgar e este nem é meu intuito. Eu só me pergunto por quê. Ela poderia ter a vida toda pela frente. Por quê?

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