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  • Foto do escritorBiodecon

O acumulador que morreu sozinho em bairro nobre

Quem entrou em contato conosco foi o advogado do condomínio onde *Pedro morava, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Pedro era um senhor de 60 anos, solteiro e sem filhos. Seus pais e irmã já tinham falecido e ele não tinha relação com nenhum outro familiar. Era sozinho, vivia só e, aparentemente, tinha boas condições financeiras.


O advogado do condomínio onde Pedro vivia nos chamou para limpar a casa onde o senhor morreu e retirar seus pertences. O corpo de Pedro foi encontrado dois dias depois de sua morte. O cheiro da decomposição e a quantidade de lixo do imóvel estavam incomodando os vizinhos, já que ele era um acumulador. Além disso, a sujeira do local poderia atrair bichos. Então, tínhamos uma dupla missão: a de limpar o lugar em que o idoso faleceu, e tudo o que ele acumulou.

Quando chegamos àquela casa de classe média alta, o advogado deixou claro que não poderíamos tirar muita coisa de lá, apenas roupas e lixo. No imóvel tinha muita sujeira: comida estragada, resto de marmita junto com DVDs de filmes pornográficos, bichos de pelúcia da Disney e bitucas de maconha. Tudo junto e misturado. Pedro também tinha centenas de objetos de valor: mais de cem relógios de luxo, cada um estimado em pelo menos 3 mil reais; roupas novas de marcas caras - quase todas com etiqueta, enfiadas em sacos ou sacolas. Pelo imóvel ainda havia discos de vinil raros – alguns autografados por cantores e bandas internacionais; quadros de pintores renomados e muitos livros. Tudo isso jogado por todos os cantos. A impressão que nós tínhamos é de que Pedro rasgava dinheiro e jogava no chão.


Dava para perceber que ele era uma pessoa culta, viajada e de muito bom gosto. Mas algo na vida dele desandou. A casa dele era inabitável, e cheirava a cigarro e mofo. Foram três dias de limpeza, todos de muito calor, o que acentuava ainda mais o odor forte e desagradável do local.

Começamos a limpar abrindo caminho para conseguir passar: sala, cozinha, banheiro, corredor. Em determinados pontos da casa era difícil de andar. Estávamos em quatro pessoas. Cada um foi para um cômodo. Eu, Francesco, subi as escadas. Fui para o primeiro quarto, onde o corpo de Pedro foi encontrado no chão, em cima do carpete. O carpete estava num estado lastimável e teve que ser removido. Por causa dos fluídos corporais absorvidos pelo tecido, não dava para lavar. A marca do corpo ficou ali e o cheiro era terrível. Até hoje não sabemos do que o homem morreu.


Depois de higienizar de desinfetar o chão, comecei a limpar o quarto. Ao lado do carpete que retirei estava a cama de Pedro. O colchão estava podre de sujeira e cheio de furos de bitucas de cigarro e maconha. Por isso, acabou indo pro lixo. Acho que o morador nunca usou um lençol.

Depois de tirar todos os resíduos, sujeira e alimentos estragados, comecei a organizar os objetos de valor. Organizamos mais de 50 caixas, que somadas ultrapassavam mais de um milhão de reais. Até bolo de dinheiro foi encontrado em uma das gavetas.

Durante os três dias de limpeza e organização pessoas começaram a aparecer na casa. Diziam que eram amigos do falecido e queriam levar seus pertences. Pareciam urubus. Visivelmente, mal conheciam Pedro. Parte do que foi colocado nas caçambas, como algumas sacolas de roupa, foi levado pelos vizinhos. Outras foram para instituições de caridade. O restante foi entregue ao advogado do condomínio, que decidiria o que seria feito da casa de todas aquelas relíquias e riquezas.


O destino de tanta coisa valiosa era incerto. Quando a casa estava limpa e impecável, meu sentimento era um só: de que nem sempre quem tem dinheiro é feliz. Pedro morreu sozinho, cercado apenas pelos objetos caros que comprou durante a vida. No fim, ficou para alguém. Ninguém sabe quem.

*Pedro é um nome fictício criado para preservar a identidade do falecido.









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