Fui eu, Clícia, quem recebi a ligação. Do outro lado da linha, estava o sobrinho de uma senhora que morava sozinha e foi encontrada morta pelo Instituto Médico Legal, o IML, entre três a cinco dias depois (não se sabe ao certo o dia em que ela faleceu). O rapaz pediu um orçamento porque, além do cheiro de putrefação, a decomposição do corpo deixou marcas no imóvel. Então, fomos eu e o Francesco fazer a vistoria.
Chegamos no endereço indicado. Era um sobradinho em um condomínio fechado, em São Paulo. A casinha era bem pequena mesmo. Quando entramos, imediatamente nos deparamos com um sofá pequeno, que mais parecia uma espécie de namoradeira. A senhorinha tinha falecido ali na sala, naquele sofá. A decomposição do corpo atravessou do sofazinho e o fluído corporal foi para o chão, infiltrando o piso de madeira. E era madeira de lei, legítima!
O sobrinho tinha muitas dúvidas em relação ao nosso serviço: perguntou sobre o risco biológico, sobre o cheiro. E eu expliquei tudo. Disse ao rapaz que a gente ia levar tudo o que estava contaminado para incinerar, como a madeira que é porosa e absorveu o fluído da decomposição e não sai mais. O cheiro não sai mais também. Além disso, ficam todos os microorganismos da decomposição, o que pode ser perigoso para outra pessoa que possa vir a morar no local. Se alguém alugar a casa depois, por exemplo, sem saber o que houve e a madeira permanecer no chão, há a possibilidade de contaminação e o desenvolvimento de doenças. Imagine se uma criança senta para brincar ali e coloca as mãos na boca? Seria super perigoso. Também enfatizei que usamos produtos específicos para a limpeza do lugar. O rapaz ficou de pensar e contratou nosso serviço uma semana depois.
Começamos pela sala. O que fizemos foi remover o piso de madeira e o sofá. O sofá foi cortado em várias partes para incinerar. O interessante desta história é que tudo indica que a senhora morreu rezando, literalmente. Ela tinha uns 70 anos e, segundo o IML, ela faleceu de enfisema pulmonar (embora não fumasse). O sobrinho contou que a tia orava todas as noites, e colocava o cachorro, com quem vivia, na cozinha para que o bichinho não atrapalhasse esse momento de prece.
Na salinha, havia uma cômoda com um espelho em cima. Abri a cômoda para passar desinfetante e vi vários santinhos. Deduzi, então, que ela tirava os santinhos do móvel e orava ali. Ela havia se ajoelhado no sofá para rezar, em frente aos santinhos, e faleceu. Acreditamos nisso porque a decomposição do corpo só aconteceu em uma almofada do sofá. Não foi no sofá inteiro, como se ela estivesse deitada. Só uma parte do sofá estava manchada. A maior parte estava limpa. Quando o Francesco foi tirar o piso, depois de desinfetar, ele viu uns pedaços de pele no chão, de frente para onde a mancha no sofá estava, provavelmente dos joelhos. Ela se ajoelhou no chão, colocou os cotovelos no estofado, foi rezar e partiu.

Além da sala, o sobrinho queria que a gente limpasse a casa inteira, a começar pela cozinha, que ficou virada do avesso porque o cachorro da mulher estava trancado lá. Da cozinha para a sala tinha uma porta de correr. Quando entrei na cozinha não sabia por onde iniciar a faxina. Estava imunda. Além de ter a sujeira do próprio cachorro, como urina e fezes, tinha louça suja na pia, afinal, ninguém pensa “deixa eu arrumar a casa porque vou morrer daqui a pouco e vão entrar aqui”. Por sorte o cão estava vivo e já foi adotado.
Depois de limparmos a casa inteira, retiramos todos os itens pessoais da senhorinha, como shampoo, escova de dente, escova e cabelo...e mandamos para incinerar. Com a casa limpa, colocamos desinfetante hospitalar de desinfecção por meio da pulverização em todos os cômodos para que o produto aderisse em 100% do imóvel. Demoramos em torno de seis horas para fazer o serviço.
Após sair de lá, fiquei pensando se ela teve sorte de morrer rezando. Talvez apenas tenha chegado a hora dela partir.

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