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O médico que acumulava objetos e amostras de tecidos humanos

Atualizado: 6 de mai. de 2022

Ele colocou um anúncio numa plataforma de limpeza. Nós vimos e entramos em contato. Fui eu, Clícia, quem fez a ligação.Não me esqueço até hoje. A voz e fala daquele homem eram tímidas, e ele parecia ter muita vergonha do que tinha para falar. Ele era acumulador e nos procurava em busca de ajuda, algo raro de acontecer, já que os acumuladores não têm consciência de que estão doentes e precisam de tratamento.



Este homem sabia, e estava fazendo acompanhamento psiquiátrico. Era um médico patologista, jovem, muito inteligente, com bom emprego e boas condições financeiras. Marcamos de fazer a vistoria. Deu um frio na barriga. Foi o primeiro caso de acumulador da Biodecon.



Quando eu e o meu colega Francesco chegamos naquele apartamento pequeno, num bairro de classe média de São Paulo, o impacto foi enorme. Primeiro que a porta não abria. Estava emperrada de tanto lixo. Era de noite e a luz era fraca, porque o apartamento tinha lâmpadas queimadas que não foram trocadas. O rapaz olhava para o corredor do prédio com medo de que os vizinhos o vissem. Quando conseguimos entrar pensei: “não acredito que realmente existam pessoas que vivam assim!”. Nós fomos treinados nas melhores empresas dos Estados Unidos. Mas entre estudar, saber fazer e nos deparar com o caso de alguém que está a alguns minutos de nós foi bem chocante. Passado o primeiro susto, fizemos o cronograma do que teria que ser feito ali: do que teríamos que jogar, organizar e limpar. Fizemos as contas de quantas caçambas íamos utilizar e quais materiais seriam necessários.



Voltamos alguns dias depois. O cheiro era de sujeira, café e cheirinho de carro, tudo junto e misturado. O rapaz deixava sacos e sacos de pó de café abertos pela casa, e distribuía, no meio da bagunça, aqueles perfumes que colocamos no carro para que os vizinhos não sentissem o odor de lixo e comida estragada que a casa dele tinha.




Abrimos caminho tirando o lixo com muito cuidado. Tinha muita coisa ensacada, e roupas espalhada aos montes, além de muita moeda no chão em todos os cômodos do apartamento. Também encontramos vários tubos de pasta de dente abertos pelo imóvel. Acho que o rapaz ia escovar os dentes, não encontrava e abria outro. Tudo o que se pode imaginar, tinha no chão. No quarto, encontramos amostras de exames, pedaços de tecidos humanos usados em biópsias (ou que deveriam ter sido usados), que estavam com datas de mais de dez anos!!! A maior parte estava em cima da cama dele. O rapaz dormia com tudo aquilo. Debaixo, encontramos um balde de pipoca estragada. No meio de exames, lixos e comida podre, também encontramos dezenas de livros de medicina, livros caríssimos!



Na cozinha, encontramos bolo duro e mais comida embolorada. Já o banheiro era uma tragédia. Tinha fezes para tudo que era lado. Nós não conseguíamos entender como ele usava aquele lugar. E, inacreditavelmente, aquele apartamento não tinha nenhum inseto, apesar da quantidade de elementos orgânicos.


Foram dois dias de trabalho ininterruptos, oito horas sem nem pararmos para comer. Não dava. No primeiro dia tiramos o lixo. No segundo, fizemos uma limpeza pesada com equipamentos e produtos específicos. O dia estava frio. E eu agradeci por isso, pois com tanto movimento não aguentaria ficar dentro daquele macacão.


Deixamos o apartamento organizado e limpo, e recomendamos ao morador que limpasse o imóvel ao menos uma vez por semana. Até hoje não sabemos se ele seguiu nossa orientação. Esta história nos marcou por ter sido a primeira. E por termos nos dado conta de que não importa a profissão ou a classe social da pessoa. Qualquer ser humano pode ser um acumulador, inclusive, aqueles que parecem estar acima de qualquer suspeita.



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